O “Fascismo 2.0”: Uma Análise Jurídico-Política do Modelo Chinês de Ascensão Hegemônica na Era do "Made in China 2025"
- Adam Telles de Moraes
- 16 de ago.
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O “Fascismo 2.0”:
Uma Análise Jurídico-Política do
Modelo Chinês de
Ascensão Hegemônica na
Era do "Made in China 2025"
ADAM TELLES DE MORAES
Habilitação Nacional de Advogado
Ordem dos Advogados do Brasil
(Código da credencial: 155744/RJ)
Professional development certificate in Global Business Management
Massachusetts Institute of Business - MIB
(Código de credencial 7F40D3D8-0AF7-4F30-AFFE-38B39EC7ECD3)
Abstract
This paper analyzes the Chinese hegemonic model as a "Fascism 2.0," a heuristic metaphor to explore the functional convergence between China's technological ultranationalism and the operational pillars of classical totalitarian regimes. It transcends anachronistic Cold War debates by arguing that despite ideological differences, China's methods of power projection and social control—centered on projects like "Made in China 2025" (MIC2025) and the Social Credit System (SCS)—functionally mimic historical totalitarianism. The study reveals that while classical fascism relied on overt terror and racial demagoguery, the Chinese model employs a more subtle and pervasive "totalitarianism of convenience and surveillance". This is achieved by weaponizing digital technology and consumerism to enforce conformity and through "infrastructural and digital imperialism" via the "One Belt One Road" (BRI) initiative. The paper concludes that the rise of this new autocracy exposes the legal and moral vulnerabilities of the West and challenges international law, which was forged in a different geopolitical era.
Resumo
Este artigo analisa o modelo hegemônico chinês como um "Fascismo 2.0", uma metáfora heurística que explora a convergência funcional entre o ultranacionalismo tecnológico da China e os pilares operacionais de regimes totalitários clássicos. O trabalho argumenta que, apesar das diferenças ideológicas, o regime chinês utiliza métodos de controle e projeção de poder que, em sua essência, replicam o totalitarismo histórico. O estudo demonstra que, enquanto o fascismo clássico se baseava no terror e na demagogia racial, o modelo chinês emprega um "totalitarismo da conveniência e da vigilância", utilizando o Sistema de Crédito Social (SCS) e o consumismo para impor conformidade e autocensura, sem a necessidade de violência aberta. Além disso, a estratégia de expansão global não se dá por meio de conquista militar, mas por um "imperialismo infraestrutural e digital" via a iniciativa "One Belt One Road" (BRI) e a busca por autossuficiência tecnológica com o plano "Made in China 2025" (MIC2025). O artigo conclui que a ascensão dessa nova autocracia expõe as vulnerabilidades legais e morais do Ocidente e desafia o direito internacional, forjado em uma era geopolítica distinta.
1. Introdução: O Desafio de Conceituar uma Nova Ordem Global
A ascensão da República Popular da China no cenário internacional levanta questões complexas sobre a natureza do poder contemporâneo e a adequação de nossas categorias políticas tradicionais para compreendê-lo. A tese do "Fascismo 2.0" não é apresentada aqui como uma afirmação de equivalência literal entre o regime chinês e os movimentos fascistas e nazistas do século XX. Em vez disso, serve como uma metáfora heurística, uma ferramenta analítica para identificar e examinar a emergência de um modelo de poder que, embora ideologicamente distinto de suas contrapartes históricas, demonstra uma notável convergência funcional em seus pilares operacionais. O objetivo deste estudo é transcender o debate ideológico simplista, que muitas vezes confina a análise a anacronismos da Guerra Fria, para uma investigação da arquitetura e do modus operandi de um estado que integra controle totalitário, um modelo econômico híbrido e uma projeção de poder autocrática de forma inédita.
A análise empreendida neste artigo é de natureza multidisciplinar. Ela extrai insights da ciência política para discutir as teorias de regimes, da história para estabelecer um quadro comparativo com o fascismo e o nazismo clássicos, da economia política para dissecar o modelo chinês e seus projetos emblemáticos, e do direito internacional para explorar as implicações desta nova ordem para a soberania e os direitos humanos. O estudo se concentrará em duas iniciativas que representam a espinha dorsal desta estratégia de poder: o plano "Made in China 2025" (MIC2025), que personifica o ultranacionalismo tecnológico e a busca por autossuficiência, e a iniciativa "One Belt One Road" (BRI), que serve como o principal instrumento de projeção de poder global e de reconfiguração da ordem internacional.
2. Raízes Teóricas do Autoritarismo: Uma Análise Histórico-Comparativa
2.1. A Teoria Clássica e a Degeneração dos Regimes
A compreensão do fenômeno contemporâneo do poder chinês exige uma contextualização histórica e teórica das formas de governo. A Idade Moderna, por exemplo, foi marcada pela centralização do poder e pelo surgimento do absolutismo, que substituiu a estrutura descentralizada e fragmentada do feudalismo.1 Esta evolução histórica demonstra um movimento recorrente de consolidação de poder em resposta à desordem, um tema central na teoria política clássica.
Os filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, foram os primeiros a sistematizar a discussão sobre as tipologias de governo. Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, classificou as formas de governo com base em quem governa e como o poder é exercido.3 Ele identificou três formas puras (ou "boas"): a monarquia (governo de um só), a aristocracia (governo dos melhores) e a politeia (governo de muitos, ou república).3 O que distinguia essas formas era a busca pelo "bem comum" ou "bem geral".5 No entanto, ele também reconheceu que cada uma delas poderia degenerar em uma forma corrompida, na qual o poder é exercido em benefício próprio dos governantes: a monarquia em tirania, a aristocracia em oligarquia (o poder de poucos) e a politeia em democracia ou demagogia, que, para Aristóteles, era o "desvio menos ruim".3 Políbio, por sua vez, propôs uma visão fatalista da história, um ciclo de alternância (anacyclosis) entre constituições boas e ruins, onde cada forma subsequente é sempre menos virtuosa que a anterior, sugerindo que o colapso da ordem é um destino cíclico da política.4
2.2. O Fascismo Clássico e o Nazismo como Pilares de Análise
O fascismo clássico, que ganhou destaque na Europa na primeira metade do século XX, apresenta-se como uma ideologia política ultranacionalista e autoritária.7 Caracteriza-se por um poder ditatorial, a repressão violenta da oposição, a arregimentação total da sociedade e da economia, o desprezo pela democracia eleitoral e a crença na superioridade das elites.7 O fascismo se opôs explicitamente ao liberalismo, ao marxismo e ao socialismo, posicionando-se na extrema-direita do espectro político tradicional.7 Sua gênese está intimamente ligada à instabilidade do capitalismo e à ascensão dos movimentos operários, que os fascistas buscavam reprimir para proteger o poder dos capitalistas.8
A tentativa de vincular o fascismo ao comunismo como projetos políticos semelhantes, sob a categoria "totalitarismo", foi uma estratégia ideológica da Guerra Fria, que visava deslegitimar os países socialistas.8 Essa ligação é fundamentalmente falha, uma vez que as ideologias são diametralmente opostas. O fascismo, em sua essência, é uma tentativa das elites de manterem o poder através da suspensão da democracia burguesa e da violência, enquanto o comunismo busca a emancipação da classe trabalhadora da morbidez do capitalismo.8 Enquanto o fascismo se define por seu ultranacionalismo e por sua crença em distinções hierárquicas entre nações e raças 9, o comunismo se baseia no internacionalismo e vê a única distinção real entre as pessoas como a de classe socioeconômica.9
O nazismo, por sua vez, é amplamente considerado uma forma de fascismo, compartilhando seu ultranacionalismo, a rejeição da democracia e o culto à violência.11 No entanto, o nazismo possuía uma característica distintiva e central: a crença na superioridade racial dos povos germânicos, baseada no "racismo científico".11 Essa ideologia centrava-se no pan-germanismo e no antissemitismo radical, opondo-se veementemente ao marxismo e ao bolchevismo por associá-los a uma suposta "luta dos judeus pelo poder mundial".14
O legado jurídico desses regimes foi estabelecido no Tribunal de Nuremberg, uma corte internacional criada ao final da Segunda Guerra Mundial para julgar os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas.15 Embora tenha sido criticado por sua parcialidade, dado que os juízes eram das potências vencedoras, o tribunal foi um marco para o direito internacional humanitário, estabelecendo um precedente para a responsabilização de líderes por atrocidades em larga escala.15
2.3. A Convergência Funcional: Do Fascismo Clássico ao Totalitarismo da Vigilância
A metáfora do "Fascismo 2.0" não se apoia em uma continuidade ideológica, mas em uma convergência funcional, que permite uma análise do modelo chinês para além das categorizações anacrônicas da Guerra Fria. O fascismo clássico e o nazismo surgiram de contextos específicos do entreguerras europeu, como reações à instabilidade capitalista e aos movimentos operários.8 O modelo chinês, em contraste, consolidou-se após as reformas de Deng Xiaoping, cooptando mecanismos de mercado para uma acumulação capitalista sob controle estatal.17
Apesar de suas origens ideológicas distintas, os métodos de controle e projeção de poder do regime chinês se assemelham, em sua funcionalidade, aos de regimes totalitários clássicos. Enquanto o fascismo usava a violência de "gangues" 8 e a repressão policial baseada no terror 5, a China contemporânea utiliza um sistema de crédito social que pune o "comportamento inadequado" e gera conformidade sem a necessidade de uma violência aberta e disseminada para a maioria da população.19 Este fenômeno representa uma evolução perigosa: a transição de um "totalitarismo do terror" para um "totalitarismo da conveniência e da vigilância". O regime não precisa de campos de concentração para a maioria da população; a ameaça de exclusão social e econômica através da pontuação do crédito social é suficiente para incentivar a autocensura e a conformidade. Esta análise, ao focar na arquitetura do poder e não em sua ideologia de fachada, levanta questões críticas sobre se o direito internacional, forjado após a Segunda Guerra Mundial, está equipado para lidar com essa nova e sofisticada forma de autocracia.
Característica | Fascismo Clássico (Itália/Alemanha) | Modelo Chinês (RPC) |
Ideologia Central | Ultranacionalismo, hierarquia racial, anti-liberalismo, anti-comunismo. | Comunismo (nominal), ultranacionalismo tecnológico, anti-ocidentalismo, busca pela "nova ordem mundial". |
Relação Estado-Partido | Fusão completa entre Estado e um único partido, liderado por uma figura carismática. | Fusão, com o Partido Comunista Chinês (PCC) em hierarquia superior ao Estado; poder exercido por um aparato coletivo. |
Modelo Econômico | Economia mista e intervencionista com fins de autossuficiência e militarismo. | "Capitalismo de Estado" ou "socialismo de mercado", instrumentalizando o mercado para fins estatais estratégicos. |
Método de Controle Social | Repressão violenta, terror policial, milícias de rua e propaganda de massa. | Sistema de Crédito Social, vigilância digital ubíqua, censura de informação, e pressão social racionalizada. |
Método de Expansão Geopolítica | Imperialismo territorial e militar com busca por "espaço vital" (Lebensraum). | "Imperialismo infraestrutural e digital" via projetos como a BRI e a exportação de tecnologias de vigilância. |
Uso da Tecnologia | Usada para propaganda (rádio, cinema) e controle centralizado da informação. | Usada para vigilância totalitária (IA, reconhecimento facial), controle social e autossuficiência econômica. |
Tabela 1: Fascismo Clássico vs. Modelo Chinês: Uma Comparação Funcional |
3. O Estado Chinês: Um Híbrido Político-Econômico de Poder Centralizado
3.1. O Capitalismo de Estado com Características Chinesas
A ascensão econômica da China não se enquadra perfeitamente nas categorias tradicionais de "socialismo de mercado" ou "capitalismo de Estado".21 O modelo contemporâneo é um sistema híbrido e singular, onde o mercado é instrumentalizado para atingir os objetivos estratégicos do Estado. A chave para a sua operação é a centralidade política do Partido Comunista da China (PCC), cuja estrutura de poder está hierarquicamente acima das estruturas de Estado.17 Esse arranjo permite que o partido mantenha o controle absoluto sobre o avanço dos interesses empresariais, mesmo em uma economia cada vez mais integrada ao sistema global.21
A transformação do setor estatal, com a ascensão de "campeões nacionais" sob a supervisão de órgãos como a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC), demonstra um sistema em que indústrias estratégicas permanecem sob controle direto do Estado.21 A China se insere nas redes de produção globais não apenas como produtora, mas também se aproxima da fronteira tecnológica, impulsionada pelos investimentos do Estado.22 Este sistema é a base para a criação de uma economia poderosa, capaz de competir e projetar influência em escala global.
3.2. "Made in China 2025": A Expressão de um Projeto Ultranacionalista e Tecnológico
O plano "Made in China 2025" (MIC2025), anunciado em 2015, serve como a principal expressão do ultranacionalismo tecnológico chinês.23 Seu objetivo é transformar a China de uma mera "fábrica do mundo" para um líder global em manufatura de alta tecnologia até 2049, ano do centenário da República Popular.22 O roteiro traça o caminho para a autossuficiência tecnológica em dez setores estratégicos, que incluem semicondutores, robótica avançada, inteligência artificial (IA), energia verde e biotecnologia.23 O plano, inspirado pela iniciativa alemã "Indústria 4.0", é menos um manual de políticas detalhadas e mais um "dispositivo de sinalização" que orienta a alocação de recursos, a atenção política e a experimentação institucional nos níveis local e provincial.23
As ambições do MIC2025 desencadearam uma guerra comercial e tecnológica com os Estados Unidos, o principal acontecimento nas relações internacionais do século XXI.25 Os EUA responderam com a elevação de tarifas e a imposição de sanções contra empresas chinesas de alta tecnologia, como parte de uma estratégia de desacoplamento econômico.25 Esta disputa não é apenas por balanças comerciais, mas uma batalha pelo domínio tecnológico e pela liderança na vanguarda da IA, com a produção de chips como um elemento central.25
3.3. O Sistema de Crédito Social: O Controle Total por Meio do Consumismo e da Vigilância Digital
O Sistema de Crédito Social (SCS) é a manifestação mais clara de uma nova forma de totalitarismo na China. O sistema foi concebido para funcionar como um mecanismo de ranqueamento de confiança, onde o comportamento de quase 1,4 bilhão de cidadãos é monitorado e pontuado.19 A vigilância é onipresente, utilizando tecnologias de IA e reconhecimento facial, e é reforçada pela integração com aplicativos de pagamento online como o Alipay, que monitoram as finanças e os hábitos de consumo dos cidadãos.19
O sistema de avaliação vai além do monitoramento de infrações legais. Ele também transforma meros "comportamentos de consumo" em uma avaliação de caráter.20 Uma afiliada da Alibaba, a Sesame Credit, uma das empresas que colabora com o governo, já admitiu que os indivíduos são julgados pelo tipo de produtos que adquirem, e que um indivíduo que joga videogame por dez horas por dia pode ser avaliado negativamente.20 O que é ainda mais surpreendente é que a pontuação de um cidadão pode ser negativamente afetada pelas ações e comentários online de seus amigos e familiares, criando um sistema de pressão social e de conformidade que se estende por toda a rede de relações pessoais.20
As consequências desse sistema são profundas e coercitivas. Uma pontuação baixa pode resultar em restrições na compra de passagens aéreas e de trem, bloqueio de linhas de crédito, e impedimento de matricular os filhos em escolas melhores.19 O regime chinês, ao integrar o comportamento de consumo e as interações sociais online no SCS, cria um sistema de controle mais sutil e pervasivo do que o totalitarismo clássico. A ameaça de exclusão social e econômica é suficiente para incentivar a autocensura e a conformidade, tornando a necessidade de violência aberta e disseminada, como nos regimes do século XX, desnecessária para a maioria da população. Este modelo demonstra que o consumo, tradicionalmente visto no Ocidente como um ato de liberdade individual, é cooptado pelo Estado chinês como uma ferramenta de controle político e social. Isso levanta questões jurídicas fundamentais sobre a proteção à privacidade e à liberdade de expressão em um ambiente onde o Estado terceiriza a vigilância para empresas privadas e transforma a conformidade em um pré-requisito para a participação plena na vida econômica.
4. Expansão Global: A Projeção da "Nova Ordem"
4.1. "One Belt One Road": Estratégia de Projeção e de Soft Power
A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), anteriormente conhecida como "One Belt One Road", é o principal instrumento da China para projetar sua influência global.28 Lançada em 2013, a BRI é um programa multifacetado de infraestrutura que expande o alcance econômico e a influência da China para mais de 100 países.28 A iniciativa é composta por um "Cinturão Econômico da Rota da Seda" em terra, uma "Rota da Seda Marítima do Século XXI" e uma "Rota da Seda Digital" que promove a tecnologia de informação e comunicação (TIC) e as redes de cabos e satélites chinesas.28
A BRI possui uma dupla face. Por um lado, preenche lacunas de infraestrutura em nações em desenvolvimento e exporta a capacidade industrial chinesa.28 Por outro, é vista por muitos governos e analistas como um meio de projetar poder geopolítico, ganhar influência e criar dependências por meio da "diplomacia da dívida".28 A iniciativa visa integrar verticalmente as cadeias de suprimentos e as redes de transporte global sob controle chinês, expandindo a presença de empresas da RPC e criando novos mercados para seus produtos.28 Esta é a substituição do imperialismo territorial por um "imperialismo infraestrutural e digital", onde o poder é exercido não pela conquista militar, mas pelo controle de ativos estratégicos e plataformas tecnológicas. O desenvolvimento de um sistema de navegação como o Beidou, por exemplo, demonstra a intenção de criar um ecossistema tecnológico global centrado na China, independente das redes ocidentais como o GPS.28
4.2. O Soft Power Chinês e a Guerra de Narrativas
Além da projeção de poder por meio da infraestrutura, a China também investe significativamente em soft power, a capacidade de persuadir nações por meio da atração por suas políticas e cultura, em vez de coerção ou força.30 O esforço para expandir sua influência indireta e não-militar se manifesta através da criação de Institutos Confúcio, assistência médica (como a "diplomacia da máscara facial" durante a pandemia), e a exportação cultural via games e influenciadores pagos.30
A China se apresenta como uma "força vital" na defesa da ordem mundial pós-guerra e propõe uma "Comunidade com Futuro Compartilhado para a Humanidade".33 Essa narrativa, que se baseia na visão de "paz através do desenvolvimento", serve como uma contra-narrativa à hegemonia ocidental, especialmente a dos EUA e seus aliados.34 Essa abordagem busca redefinir as normas de governança global e elevar a influência chinesa no sistema internacional, oferecendo uma visão alternativa que privilegia o diálogo sobre o confronto e a parceria sobre a aliança.34
4.3. O Choque de Ordens: China vs. Ocidente
A competição entre os Estados Unidos e a China é o principal acontecimento das relações internacionais do século XXI.25 Essa rivalidade se desenrola em múltiplos campos: político, comercial, financeiro, tecnológico e militar.25 Os EUA têm tentado conter a ascensão chinesa por meio de tarifas alfandegárias, sanções e embargos a empresas de alta tecnologia, uma resposta direta às ambições do MIC2025.25
O modelo chinês de projeção de poder não se baseia na conquista militar do fascismo clássico, mas em uma "guerra híbrida", onde o poder é exercido por meio do controle de infraestrutura, redes de produção e finanças. Embora a China se posicione oficialmente como uma nação antifascista 33, sua projeção de poder é um projeto que busca integrar verticalmente as cadeias de suprimento globais e as redes digitais sob controle chinês, criando uma "politeia" de estados dependentes em torno de um novo centro hegemônico.28 Esta abordagem reflete a visão de que a China não apenas compete economicamente, mas também busca reconfigurar a própria arquitetura do sistema global.
5. Multinacionais e o Direito Internacional na Era do "Fascismo 2.0"
5.1. A Cidadania Consumerista e a Crise Moral do Ocidente
A ascensão do modelo chinês de poder é facilitada por fragilidades morais e políticas no Ocidente, onde o capitalismo global hegemônico privilegiou o consumo em detrimento da cidadania.35 Esse movimento promoveu a despolitização e o desinteresse pela esfera pública, transformando o "Homem de Ação" de Hannah Arendt em um "Homem de trabalho e consumo".35 A obsessão pelo consumo, longe de ser um ato de liberdade, é cooptada pelo modelo chinês como um indicador de conformidade no Sistema de Crédito Social.20
Ao mesmo tempo, o Ocidente enfrenta uma profunda "crise de identidade".36 O declínio de estruturas unificadoras como o cristianismo gerou um "vácuo moral" que leva as pessoas a buscarem novas fontes de significado e pertencimento, tornando-as vulneráveis a ideologias extremas ou à fragmentação social.37 A política identitária, ao dividir a sociedade em grupos de "opressores" e "oprimidos", tem exacerbado a discórdia e o descolamento da identidade da vida real.36 Este cenário de fragmentação e apatia cria um vácuo de poder que a China está disposta a preencher. Ao oferecer um modelo de "estabilidade autocrática" como resposta ao "caos democrático", a China não apenas compete economicamente, mas também explora e se beneficia das fraquezas internas de seus rivais.
Indicador de Vulnerabilidade | Manifestação no Ocidente | Implicação Geopolítica para o Modelo Chinês |
Crise de Identidade | "Descolamento da identidade e da vida real".36 Busca por novas identidades em um "vácuo moral" causado pelo declínio de valores unificadores.37 | A China oferece uma narrativa de unidade e propósito nacional (Comunidade com Futuro Compartilhado), explorando a fragmentação e a falta de coerência interna das sociedades ocidentais. |
Cidadania Consumerista | O exercício da cidadania é "colonizado pelos ideais do consumismo", o que promove a despolitização e a apatia na esfera pública.35 | O modelo chinês instrumentaliza e monitora o consumo como ferramenta de controle social e político (SCS), mostrando uma forma mais eficaz de gerenciamento da população que a liberdade desordenada. |
Dependência Econômica | Cadeias de suprimento globais concentradas em grande parte na China, especialmente em manufatura e tecnologias de baixo custo. | A China projeta poder e influencia por meio de sua posição central nas cadeias de produção, utilizando iniciativas como a BRI para consolidar essa centralidade e criar dependências. |
Desengajamento Político | Crescente desconfiança nas eleições e instituições democráticas, levando os cidadãos a se voltarem para a apatia ou para a "democracia participativa" fora das estruturas estatais formais.38 | O modelo chinês, embora não democrático, é capaz de concitar apoio massivo através de propaganda e controle, apresentando-se como uma alternativa eficaz e estável para a governança. |
Tabela 2: Indicadores de Vulnerabilidade do Ocidente à Ordem Chinesa |
5.2. A Responsabilidade Legal e Ética das Empresas Ocidentais
As empresas multinacionais, os think tanks e as fundações filantrópicas desempenham um papel central na geopolítica contemporânea.27 A ascensão do modelo chinês levanta questões jurídicas e éticas complexas, especialmente no que tange à responsabilidade de empresas ocidentais que, ao se alinharem a projetos como o SCS ou a BRI para fins de lucro, facilitam a projeção de poder de um regime autocrático.
A participação de empresas como a AntFinancial (controladora do Alipay) no Sistema de Crédito Social 19 e a influência de fundações privadas no direcionamento de fundos para países emergentes 42 demonstram uma área cinzenta do direito internacional. A falta de um arcabouço jurídico claro sobre a responsabilidade extraterritorial de corporações por violações de direitos humanos em regimes autoritários é uma lacuna crítica. O modelo chinês demonstra a capacidade de cooptar atores privados para seus objetivos estatais, terceirizando a vigilância e o controle social e tornando a questão da responsabilidade um desafio para o direito internacional.
6. Conclusão: Convergências, Divergências e as Implicações para o Futuro Jurídico e Político Global
Este artigo demonstrou que o termo "Fascismo 2.0" é uma metáfora precisa e útil para descrever a convergência funcional entre o ultranacionalismo tecnológico da China e os pilares operacionais de regimes totalitários clássicos, mesmo na ausência de uma equivalência ideológica. A análise revela que, embora a China não se baseie na demagogia racista ou na violência aberta do fascismo clássico, ela emprega um sistema de controle social e uma projeção de poder que, em sua essência, replicam a busca por um poder total.
É crucial, contudo, reconhecer as particularidades do modelo chinês. A liderança é do Partido, não de um líder carismático, e o uso do terror como mecanismo de controle social é mais sutil e tecnológico, baseado em coerção racionalizada e vigilância ubíqua. A China não busca "espaço vital" por meio de conquista militar, mas projeta poder através de um "imperialismo infraestrutural e digital", reconfigurando a ordem global por meio de dependências econômicas e tecnológicas.
As implicações para o direito e a governança global são profundas. A ineficácia de leis e tipologias jurídicas forjadas na era da "guerra fria" ou do século XX para combater a projeção de poder via infraestrutura, vigilância e soft power é evidente. O modelo chinês desafia a própria concepção de soberania e o direito à privacidade, ao demonstrar a viabilidade de um estado que terceiriza o controle social para empresas privadas e utiliza o consumo como uma ferramenta de conformidade.
Como recomendação para a pesquisa futura e para a formulação de políticas, é imperativo que não se baseie em uma visão de mundo simplista e binária. É necessário desenvolver novas tipologias jurídicas para lidar com a "guerra híbrida" e a influência digital. A batalha contra essa nova forma de autocracia deve ocorrer não apenas no campo geopolítico, mas também na esfera jurídica e social, fortalecendo as instituições democráticas e a cidadania emancipatória, para que o cidadão possa superar a condição de consumidor e se engajar ativamente na proteção de suas liberdades fundamentais. A ascensão da China é, em última análise, um reflexo das fragilidades internas da ordem liberal, e a resposta deve ser uma renovação ética e política no Ocidente.
OBSERVAÇÃO
O presente artigo (paper) se trata de um rascunho para os demais fins oficiais e acadêmicos, dependendo de critérios de validação, como análise editorial para publicação em periódicos de autoridade no respectivo segmento científico em exposição, bem como de análise de pares, para convalidação dos fundamentos e argumentos trazidos ao presente artigo.
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(Des)Ordem Mundial “com Características Chinesas” – um Mundo Seguro para a Autocracia, acessado em agosto 16, 2025, https://www.idn.gov.pt/pt/publicacoes/nacao/Documents/NeD166/Nac%CC%A7a%CC%83o%20e%20Defesa_166_LuisTome.pdf
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A Queda do Cristianismo como Religião Majoritária no Ocidente Levará a um Vácuo Moral e Crise de Identidade? : r/religion - Reddit, acessado em agosto 16, 2025, https://www.reddit.com/r/religion/comments/1m0dses/will_the_fall_of_christianity_as_the_majority/?tl=pt-br
Fazendo com que a filantropia seja eficaz - GIFE, acessado em agosto 16, 2025, https://gife.org.br/fazendo-com-que-a-filantropia-seja-eficaz/
Cenário geopolítico para empresas, como elas são afetadas por essas mudanças?, acessado em agosto 16, 2025, https://goldsolucoes.com.br/cenario-geopolitico-para-empresas-como-elas-sao-afetadas-por-essas-mudancas/
Os Think Tanks e sua influência na política externa dos EUA: a arte de pensar o impensável, acessado em agosto 16, 2025, https://www.scielo.br/j/cint/a/Dc37rdrVRpLKsQY5Xg68zBK/
Resenha - Os Think Tanks e sua Influência na Política Externa dos EUA - SciELO, acessado em agosto 16, 2025, https://www.scielo.br/j/cint/a/Dc37rdrVRpLKsQY5Xg68zBK/?format=pdf
FILANTROPIA: - IDIS, acessado em agosto 16, 2025, https://idis.org.br/wp-content/uploads/2016/05/publi-Filantropia-Contexto-Atual.pdf
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